O nascer de uma falcoeira – Silvia Leite

“O meu fascínio pelas aves de rapina sempre existiu, mas a curiosidade pela arte da Falcoaria surgiu há 5 anos através de vídeos de lances de Falcoeiros Portugueses e Espanhóis ”

Podem fazer download deste artigo em PDF aqui: Crónica de uma falcoeira Sílvia Leite 

Em Março de 2017 surgiu a oportunidade de assistir a uma demonstração de vôo livre dos falcoeiros e criadores Jorge Teixeira e Rosimeiry Martins. Fiquei absolutamente rendida à beleza daquelas aves. Tanto que ainda hoje me emociono ao recordar o Falcão Peregrino Ventoínha, a majestosa Águia Escudada/Chilena, um macho de Coruja das neves e um terçó de Harris… o Faísca 🖤Conquistou- me de imediato quando o tomei na luva.

Naquele momento, senti que tinha de conhecer o que era o manejo, treino e todas as potencialidades das aves de presa.

A convite do Jorge Teixeira, fui conhecer o seu plantel. Havia tanto para aprender que fui acompanhando as tarefas diárias inerentes ao manejo das aves, treino básico de chamamento à luva com o experiente e dócil Faísca. Comecei a familiarizar-me com os acessórios utilizados, processo de adestramento das novas crias e tudo o que fosse pertinente, pude observar e manejar diversas espécies diurnas e noturnas, aprendendo tanto com essas pessoas maravilhosas que se tornaram meus amigos.

Dia após dia, crescia o desejo de ter a minha própria ave, realizar todo o processo de adestramento e posteriormente caçar com ela. Procurei preparar-me para isso com a prática que ia adquirido, lendo manuais de Falcoaria, tirando dúvidas com Falcoeiros(a), escolhendo criteriosamente os acessórios essenciais no manejo de uma ave. Em Maio desse ano nasceu Lorena uma preciosa prima de Parabuteo unicinctus. Com 80 dias, a 24 de Julho de 2017, trouxe-a para minha casa e a partir daí toda a minha vida mudou.

 

Silva Leite com a sua fêmea de Harris Lorena
Silva Leite com a sua fêmea de Harris Lorena

 

Na escolha da ave, tive em conta diversos factores: O tipo de presa que pretendia caçar, tipo de área disponível para treinos de vôo livre, tempo disponível para dedicar.

Então optei por uma fêmea de Harris (Parabuteo unicinctus) uma ave considerada de baixo vôo. Belíssimo espécime, não podia ser melhor escolhida, com um caráter fenomenal. Não tenho uma espécie preferida para voar. Admiro o Açor pela sua capacidade de partir para uma captura feito Ninja. Os Harris estudam a melhor forma para capturar, tentando poupar energia. São aves muito sociáveis, inteligentes interagem facilmente com humanos, perfeitos para principiantes pois têm o metabolismo lento e permite alguma margem de manobra até acertar com os pesos de voo e caça, penas resistentes e fáceis de tratar.

Sou fascinada pela imponência das Grandes Águias, como a Reais, Imperiais, Nipalensis, Harpias, Filipinas e Americanas. As aves noturnas são uma paixão. Pelo seu aspecto encantador, inspiram ternura mas escondem um predador impiedoso e quase impossível de detetar. Grandes aliados no controle de roedores, infelizmente cada vez mais sucumbem aos efeitos nefastos do uso de pesticidas, electrocução e decréscimo de alimento disponível.

A minha primeira participação numa competição de falcoaria foi em novembro de 2018 em Salvaterra de Magos na prova Nuo Sepúlveda Velloso. Na categoria de Baixo-voo ao faisão. A Lorena competiu contra belissimos exemplares de açores e harris, conseguiu capturar o seu 1.º faisão, ficando em 5.º lugar, num total de 16 aves. Saí do campo a tranbordar de orgulho e ainda incrédulo com o lance!

 

Silvia Leite - Crónica de uma falcoeira
A Silvia com um macho de açor

 

No ano seguinte, 2019 voltei a participar. Porém tocou-me vivenciar aquelas temíveis situações em que a ave não sai da luva, apesar de estar em peso de caça. Este ano participei na XIII Edição da Copa Ibérica de Falcoaria em Macedo de Cavaleiros. A Lorena fez uma boa perseguição mas sem capturar. Continua a acumular experiência e mostra-se cada vez mais à vontade no meio de outras aves e cães.

“Para mim Falcoaria é o binómio ave-humano, integrado num contexto de liberdade e regresso ao essencial. É uma esplêndida forma de conhecer, apreciar e aproveitas as características circundantes a nosso favor em cada lance. É desfrutar todo o processo até culminar na captura, ainda que nem sempre termine dessa forma.”

A Falcoaria hoje em dia vive um período complicado.

Tornou-se mais acessível ter uma ave de presa. Basta adquirir num centro de cria legalizado e registrar no ICNF .

No entanto, por definição, um falcoeiro caça usando uma ave de Presa. Tão absurdamente simples e sem lugar a dúvidas nem eufemismos.

Possuir uma ave de presa para exposição, auto-promoção, fazer chamamento à luva ou tão somente permite a captura de uma presa viva usando escapes, não conferem a denominação de falcoeiro.

Lamentavelmente, circulam por aí indivíduos que nem tem as mínimas noções desta Nobre Arte, à qual a UNESCO atribuiu em 2016 a honra de Património Imaterial da Humanidade.

Praticar o ato venatório é cada vez mais difícil pela falta de presas, especialmente coelhos e lebres devido às patologias largamente disseminadas como a mixomatose e a doença hemorrágica viral. É extremamente difícil conseguir uma reserva de caça em que aceitem Falcoeiros.

Além do incontornável investimento em tempo, material, deslocação e alguns sacrifícios pessoais. Por ser complicado gerir vida profissional e familiar com a prática da Falcoaria, há poucas mulheres neste meio.

Silvia Leite - Crónica de uma falcoeira
Silvia Leite com Búteo de Cauda Ruiva

 

Contudo, apesar das mentalidade retrógradas e desafios de todos os tipos, estamos unidas neste Grupo de Falcoaria no Feminino para aprender com Falcoeiras(o) de outros países onde a prática está mais estendida, e sempre recetivas a aprender com os Falcoeiros nacionais, procurando uma dinâmica salutar tendo em vista perpetuar esta singular, ecológica e ancestral forma de caça.

Há 6 meses foi criado o nosso grupo de Falcoaria no Feminino uma iniciativa louvável da Rosimeiry Martins para motivar outras mulheres a conhecer e a praticar Falcoaria. Estamos receptivas a acolher e dissipar todas as dúvidas em relação a aves, como começar, onde praticar…

Fomentamos a partilha de experiências em informação consideradas pertinentes através do grupo de WhatsApp exclusivamente para sócios da APF- Associação Portuguesa de Falcoaria. Contamos com total apoio da APF, falcoeiras espanholas brasileiras e de outras nacionalidade. Em breve seremos mais a participar nas competições, mostrando que, não obstante todas as dificuldades com que nos deparamos, vale a pena todos os sacrifícios para vermos a nossa ave seguir o seu destino.

“ Futuramente pretendo iniciar-me em Altanaria, avançando em passos curtos e seguros neste processo de aprendizagem contínuo com os melhores Falcoeiros e Falcoeiras”

Pode ler aqui o manifesto de criação do Grupo Feminino da APF 

Quer saber mais sobre a Falcoaria: O que é a falcoaria?

Aceda aqui a mais informação sobre a APF

Texto: Sílvia Leite para Falcoaria no Feminino, Portugal

Edição : Direção Do Grupo Feminino

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