Falcoeira pioneira na conservação das aves de presa – Entrevista a Jemina Parry-Jones

Falcoaria aliada a Conservação - Entrevista Jemina Parry Jones

Para mim, falcoaria significa uma relação a longo prazo com uma ave de rapina, que também é uma amizade e um trabalho de equipa. É uma enorme compreensão e apreciação de toda a vida selvagem e deste incrível planeta em que vivemos e que estamos a tratar de forma terrível neste momento.”

Nasci no meio da falcoaria. O meu tio-avô Capitão Knight era cineasta, autor, formador e falcoeiro. Voou peregrinos, esmerilhões e uma águia real, entre outros. O meu pai, Phillip Glasier, foi quem fundou o Centro Internacional de Aves de Rapina, então conhecido como Centro de Falcoaria.

Nós, os filhos, sempre tivemos aves de rapina ao nosso redor. A minha irmã e eu quando éramos pequenas tínhamos, cada uma, um peneireiro, esmerilhões e peregrinos.

Uma das coisas que mais admirava no meu pai era o facto de ele não ser só um apaixonado por aves que fossem excelentes para a falcoaria, ele amava todas as espécies de aves de rapina. Assim, tivemos uma coruja-do-mato, um falcão de laggar e um esmerilhão de cabeça vermelha, entre outros.

Na verdade, tenho muita dificuldade em dizer qual é a minha ave favorita, ao longo do tempo tem havido muitas. Mozart, o meu velho Bufo Eurasiático que morreu aos 38 anos, reconhecia os meus passos quando me aproximava da sua muda, e durante a época de reprodução entregava-me diariamente um rato morto. Fern e Blewitt, dois falcões lanários, esperavam o rol a 800 – 1000 pés de altura, na vertical, mostrando ao público atento como eram espantosos. Hard Tackle, uma águia rapace, agora aposentada, desaparecia do nosso campo, encontrava uma térmica (não temos um campo decente para voar aqui) e aproveitava para subir e colocar-se directamente por cima  de nós e depois descia em picado como se fosse uma espécie de mistura entre um falcão e um piano (pelo seu tamanho). Arrow, um terçó de gavião, gostava de perseguir pássaros em canos de esgoto! Poderia continuar esta lista de aves (passados e presentes) que foram e são incríveis.

Jemina Parry Jones - Falcoeira e pioneira na Conservação

Abrimos o Centro de Falcoaria em 1967, e, 53 anos depois, ainda aqui estou! Comprei o centro do meu pai em 1982 e voltei a comprá-lo ao meu ex-marido quando nos separamos. A preocupação constante com 100 pássaros diferentes em 2007 impulsionou-me a adquiri-lo novamente em 2008 pagando aproximadamente 99% a mais do que meu pai pagou em 1966!

Quando o meu pai fundou o centro em 1967, o interesse dele e o meu naquela época era falcoaria, mostrar às pessoas o que fazíamos, apreciar mais as rapinas e ensinar as pessoas a serem falcoeiros sem prejudicar as próprias aves.

O meu pai reformou-se em 1982 e eu assumi o controlo do centro e fui pela primeira vez a uma conferência científica especializada em aves de rapina. Foi um abrir de olhos, e quase foi também o fim da minha carreira. Não fazia ideia do que me esperava, entrei ingénua, entusiasmada, ansiosa por conhecer pessoas de mente aberta e assim por diante. Fui difamada por alguns (não posso dizer que foram todos), porque era “a pior pessoa do mundo”, tinha um centro de aves de rapina aberto ao público, era uma falcoeira, era mulher e não era cientista.

Não podia haver combinação pior para muitas destas pessoas na conferência. Mas eu fui persistente e, aqueles que obviamente não gostavam de mim começaram a falar comigo e a sentirem-se embaraçados perante o trabalho que fui desenvolvendo. Isso significava que eu ganhava a confiança suficiente para os ignorar (principalmente) e por isso continuei a ir às conferências e continuo a ir ainda hoje.

Mudaram o meu interesse em relação à falcoaria, que nunca esqueci e, sublinho sempre, que foi o ponto de partida do centro. Mas sem a conservação não teríamos, e provavelmente não viremos a ter, aves de rapina na natureza, pelo que mudei o rumo inicial do projeto do centro.

Começámos a criar aves de um modo responsável  (mas não um grande número de aves de uma só espécie). Eu queria aprender sobre todas as espécies para compreender como reproduzi-las.

Assim, o nosso objetivo era criar um pequeno número de aves de um grande número de espécies diferentes. Conseguimos, até à data, neste clima aterrador de uma pandemia que poderia terminar todo o trabalho que fizemos até aqui,as nossas 71 espécies de aves de rapina. Devido à nossa experiência na criação em cativeiro, temos estado envolvidos numa série de projetos de conservação em todo o mundo. Partilhamos toda a nossa informação com quem a quer e tem um projeto viável. Partilhamos os êxitos e, tão importante quanto isso, os fracassos.

Concebemos projetos de conservação e criação e esperamos que, depois desta pandemia, ainda estejamos por perto para continuar esse trabalho. Também temos colaborado com Universidades em projetos de investigação que visam ajudar espécies em estado selvagem. Organizamos cursos de incubação para partilhar os nossos conhecimentos e muitos dos que vêm para cá trabalham nas áreas da conservação. Temos realizado workshops de como colocar arneses nas aves que são monitorizadas por telemetria. Temos workshops de saúde e longevidade com Neil Forbes, provavelmente um dos melhores veterinários especializados em rapinas. A lista prossegue.

No centro também facultamos ajuda em questões relacionadas com a prática de falcoaria e suas questões legais, mas não somos brandos com pessoas que infrinjam a lei em relação à falcoaria ou aves de presa (o que não me torna universalmente popular).

A falcoaria faz parte da minha vida desde que era um bebé num cesto de roupa suja com um ógea poisado na borda. Espero que faça parte da minha vida para o resto da mesma. Tenho que viver pelo menos mais 30 anos para pagar toda a dívida que me cabe para manter este lugar, e isso sem contar com o que está a acontecer a todos nós nos dias de hoje.

Suspeito que a falcoaria para mim não significa o mesmo que para muitas outras pessoas, eu não sou uma daquelas que se preocupam apenas com o número de capturas. O meu pai sempre dizia que sempre que eu saísse para caçar desfrutasse de tudo o que via: as primeiras prímulas na primavera, as cores do outono no outono, um falcão selvagem caçando um morcego. Não se trata apenas da rapina e da morte, e geralmente os melhores vôos são aqueles em que não se caça absolutamente nada. Ele também ficaria muito feliz com apenas uma ou duas mortes.

Jemina Parry Jones - Falcoeira e pioneira na Conservação de Aves de Presa

Adoro as diferentes sensações que se sente ao voar uma ave treinada, o facto de esta aprender a nos usar para bater terreno, o facto de confiar em nós o suficiente para voltar de uma milha de distância e a mil metros de altura e que reconhece a nossa voz em primeiro lugar e se vira para nos ver passar. Eu nunca voei com falcões em competições, nunca fui à Escócia com o meu pai para ver a caça ao grouse (nunca fui convidada!). Eu voei açores, harris (que são aves de rapina altamente subestimadas), águias e gaviões que são provavelmente as minhas rapinas favoritas, mas não grito sobre isso, nem divulgo no Facebook.

Para mim, falcoaria significa uma relação a longo prazo com uma ave de rapina, que também é uma amizade e um trabalho de equipa. É uma enorme compreensão e apreciação de toda a vida selvagem e deste incrível planeta em que vivemos e que estamos a tratar de forma terrível neste momento.

Como é possível não apreciar o mundo quando se sai de manhã cedo com a neblina a subir, a cor das folhas a mudar, o céu limpo, o barulho de um bando de cisnes a voar ao longe e a rir-se porque o seu gavião acaba de matar outra folha a pensar que é um pássaro na sebe?! E compreender que é um privilégio poder ter e cuidar de um animal que é tão espantoso como uma ave de rapina!

Penso que, a menos que as pessoas sejam muito cuidadosas, poderemos perder a falcoaria no próximo meio século ou menos. Alguns dos vídeos que são colocados nas redes sociais são totalmente inaceitáveis para um grande número de pessoas e são munições para aqueles grupos crescentes e poderosos de “anti” que devem, a determinada altura, esfregar as mãos na estupidez da situação.

Nalgumas vezes que fizemos publicidade para que as pessoas trabalhassem aqui connosco, recebi CV ou cartas de pessoas com uma lista extremamente longa de todas as aves e espécies que voaram.Muitas vezes, se somarmos esses números e a idade da pessoa que listou as aves, perguntamo-nos como o fizeram!! Costumo responder educadamente e dizer-lhes que estou muito mais impressionada com alguém que voou devidamente e manteve uma ave durante dez anos, pois isso demonstra empenho e cuidado.

Claro que pode parecer hipocrisia da minha parte dizer que não continuem a receber cada vez mais aves, fiquem apenas com uma ou duas, porque, claro, aqui no Centro temos 200. No entanto, se assim o posso descrever; o meu primeiro labrador foi o único cão que tive, era espantoso e muito bem treinado e uma alegria para todos tê-lo por perto.

 

Jemina Parry Jones - Falcoeira e pioneira na Conservação e os seus Labradores

Agora, 42 anos depois, tenho seis labradores, que são fantásticos e uma alegria, mas não estão bem treinados! Eu não tenho tempo para dedicar a seis, como teria apenas com um, e isto vale para tudo. Quantos mais tiveres, menos conhecerás o indivíduo, menos tempo serás capaz de lhe dar e a hipótese de manter uma espantosa relação com o animal, mesmo que seja a longo prazo, é diminuta.

Manter qualquer animal é um compromisso. Com um cão passas 12 anos ou mais, se tiveres sorte. Com um Bufo Eurasiático 40 anos ou mais, um peregrino 25 anos, um esmerilhão 12 anos ou mais. O Condor Andino provavelmente viverá mais do que você! Por isso, a aquisição de qualquer animal tem de ser bem pensada, o que não vejo acontecer nos dias de hoje.

Há por aí alguns falcoeiros maravilhosos de ambos os sexos, mas, infelizmente, neste momento, em especial no Reino Unido, creio que estão em menor número do que aqueles que são menos bons. Alguns dirão, evidentemente, que muitos não são falcoeiros, o que no sentido mais puro é provavelmente verdade, no entanto, para o público em geral, para os “anti” e para qualquer pessoa que não seja falcoeiro, se tiver uma ave de rapina é um falcoeiro.

Ao longo dos 70 anos que tenho vivido, aprendi muito sobre as nossas aves, sobre o stress, sobre o treino, a reprodução e a sua conservação. Penso que chegou a altura de a falcoaria avançar para o século XXI e ajuda a sociedade a pensar mais no que está a fazer com as suas aves, em todo o planeta.

Edição : Direcção do Grupo Feminino APF

Pode ler aqui o manifesto de criação do Grupo Feminino da APF 

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