Resposta à proposta da SPEA relativa à Falcoaria para o “Novo Regime Jurídico da Gestão dos Recursos Cinegéticos e do Exercício da Caça na Região Autónoma dos Açores”

Em resposta à proposta da SPEA relativa ao Decreto Legislativo Regional que aprova o “Novo Regime Jurídico da Gestão dos Recursos Cinegéticos e do Exercício da Caça na Região Autónoma dos Açores”, onde se lê: 3. Não permitir a utilização de furão e de aves de presa como meios de caça, pois, ao serem espécies exóticas, a sua introdução pode colocar em risco os ecossistemas nativos dos Açores;”, a Associação Portuguesa de Falcoaria comunica à SPEA e aos Senhores Deputados do Governo Regional dos Açores e demais interessados, o seguinte:

SINOPSE:

  1. Apesar da história milenar e disseminação pelo mundo desta forma de caça não existe qualquer evidência teórica ou empírica de que a utilização de aves de presa para falcoaria coloque em risco os ecossistemas nativos;
  2. A proibição da utilização de aves de presa como meio de caça no arquipélago dos Açores representa, literalmenteuma proibição direta da Falcoaria. Esta é uma atividade classificada pela UNESCO como Património Imaterial da Humanidade em Portugal e que o estado Português tem o dever de preservar conforme se comprometeu ao abrigo de convenções internacionais.

 

SOBRE A FALCOARIA E INVASÕES ESPÉCIES EXÓTICAS

A Falcoaria é uma forma tradicional de caça em que se estabelece uma parceria Homem e Ave de Presa com o objetivo de capturar uma presa cinegética no seu habitat natural. Esta forma de caça existe no nosso planeta há, pelo menos, 4000 anos, existindo provas documentais que demonstra que tem sido praticada na Europa desde há mais de 2000 anos.

A prática da Falcoaria está presente em Portugal, pelo menos, desde o Século V, sendo praticada de forma interrupta durante todo este período. Este foi um dos principais argumentos que levaram a UNESCO a elevar a prática da Falcoaria em Portugal à categoria de Património Imaterial da Humanidade (a 1 de Dezembro de 2016).

A prática da falcoaria nos Açores é desenvolvida por um número reduzido de praticantes mas que contribuíram direta e decisivamente na preparação da defesa desta candidatura nacional com a submissão de cartas de consentimento ao processo de classificação.

Devido à longa história da Falcoaria, que inclui o uso de aves de presa não autóctones em vários ecossistemas e um pouco por todo o mundo, podemos afirmar e demonstrar com segurança que não existe qualquer evidência de que a falcoaria tenha causado qualquer tipo de invasão/colonização prejudicial de ecossistemas nativos com espécies exóticas. Pelo contrário, podemos afirmar que o longo período de prática desta arte permite estabelecer evidência contrária e afirmar e demonstrar com segurança que a falcoaria não causa invasão/colonização prejudicial de ecossistemas nativos com espécies exóticas.

Isto deve-se a três razões fundamentais:

  1. Os falcoeiros tomam todas as medidas para não libertar/abandonar as suas aves na natureza;
  2. A perda de uma ave de falcoaria é um evento raro, especialmente desde que o uso de tecnologia de seguimento via rádio se tornou comum e padrão;
  3. A sobrevivência de uma ave de presa oriunda de falcoaria em estado selvagem é extremamente difícil uma vez que, a maioria destas aves, não detêm capacidades para sobreviver mais do que alguns dias sem o auxílio do seu parceiro humano. Dificuldade acrescida teria, pela mesma razão, a ocorrência da reprodução destes animais em estado selvagem, o que implicaria a perda de vários exemplares e a sua sobrevivência de forma continuada.

Ressalvamos, também, que a Falcoaria é um método de caça reconhecido pela Diretiva Aves da União Europeia, e existem requisitos de registo rigoroso para aves nesta arte (o que também é verdade em Portugal) tornando qualquer problema potencial decorrente de falcoaria, completamente transparente.

Mais, a falcoaria é considerada, de forma consensual, como um método de caça ecológico, que não conduz a abates massivos e que por essa razão não representa qualquer risco as espécies presa, além de não introduzir qualquer tipo de perturbação nos habitats.

Em resumo, a evidência de centenas de anos de falcoaria, praticada em todo o mundo e com uma variedade de espécies de aves de presa, mostra que o NENHUMA espécies não autóctone de ave de presa se estabeleceu como invasiva, em resultado desta arte. A Falcoaria não representa qualquer risco para os ecossistemas nativos.

Além do argumento já exposto importa notar que o Estado Português se comprometeu com a preservação da prática da Falcoaria a nível nacional através do apoio à submissão desta arte a Património Imaterial da UNESCO. Este reconhecimento foi ratificado no passado dia 1 em Dezembro de 2016[1]. Na sequência deste reconhecimento, o Governo Português afirmou através do Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Augusto Santos Silva, que a classificação nacional: “acarreta responsabilidades específicas na preservação destas artes”[2]. Também o Senhor Presidente da República, Dr. Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou, no sítio oficial da Presidência da República: “trata-se de um incentivo para o reconhecimento de uma prática ancestral, que neste caso remonta à Idade Média, e que importa preservar.”

Destarte, consideramos que a ser aceite a proposta da SPEA e a efetivar-se a proibição da utilização de aves de presa como método de caça (ou seja a proibição da falcoaria) nos Açores, o Governo Regional poderia estar a ameaçar a preservação desta atividade tradicional e mesmo sua classificação junto da UNESCO. Isto constituiria um indesculpável atentado contra a cultura nacional e contra a necessidade de salvaguarda que esta forma de Património Imaterial exige e que o próprio Governo de Portugal afirmou e assumiu. Mais ainda, quando tal medida não contribui para o aumento efectivo da proteção dos ecossistemas que, tal como já argumentamos, não são ameaçados por esta prática natural, ecológica e que se encontra devidamente regulamentada no nosso País.

 

SOBRE A ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE FALCOARIA

A ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE FALCOARIA (APF) é uma organização não-governamental de âmbito nacional, que congrega falcoeiros associados em todo o país, incluindo na Região Autónoma dos Açores.

A APF esteve diretamente envolvida na inscrição da Falcoaria Portuguesa como Património Imaterial da Humanidade junto da UNESCO em conjunto com a Câmara Municipal de Salvaterra de Magos e a Universidade de Évora.

A APF alicerça as suas recomendações nas posições emanadas pela Associação Internacional para a Falcoaria e a Conservação das Aves de Presa (IAF), uma organização de âmbito mundial que conta com a participação de cientistas e biólogos de renome mundial e com assento nos principais convénios de conservação da natureza a nível mundial como o IUCN.

Com os melhores cumprimentos

O Presidente da Associação Portuguesa de Falcoaria


[1] Classificação UNESCO: https://ich.unesco.org/en/RL/falconry-a-living-human-heritage-01209

[2] Entrevista ao Jornal Observador: http://observador.pt/2016/12/01/santos-silva-classificacao-da-unesco-traz-responsabilidade-adicional/