Hoje, dia 16 de novembro, celebra-se o Dia Internacional da Falcoaria, idealizado para aumentar o conhecimento e promover uma imagem positiva da Falcoaria junto da Sociedade, fomentando o espírito de união entre falcoeiros. A edição de 2018 tem como mote “Mulheres na Falcoaria”. Esta edição pretende ser o reconhecimento e celebração do papel determinante que as mulheres tiveram e têm nesta arte cinegética.
A falcoaria é um método de caça em que o Homem estabelece uma parceria com uma ave de presa para a captura de uma presa selvagem. Esta arte sempre esteve associada à nobreza do ato cinegético, à beleza estética, a um método de caça natural e ecológico. Talvez por esses predicados, sempre gracejou adeptos entre as mulheres e muitas foram ávidas e reconhecidas caçadoras com aves de presa. A sua presença na prática está documentada na literatura e na arte, na azulejaria, tapeçaria, nos códices medievais e tratados (inclusive em Portugal).
Apenas para referência podemos citar [i] o papel da Rainha Eleanor D’ Arborea, grande interessada na ornitologia e pioneira na implementação de legislação sobre determinadas espécies de aves de presa (o Falcão-da-Rainha – Falco eleonorae – foi nomeado pela sua dedicação à proteção das aves de presa); de referir também que num texto sobre Elisabeth de Baviera-Ingolstadt se refere: “Todas as mulheres na corte faziam falcoaria naquela época” [ii]; também Mary Stuart (mais tarde Mary Rainha dos Escoceses) gostava de falcoaria e voou um Esmerilhão (Falco columbarius). Alguns dos seus equipamentos de falcoaria, incluindo uma luva, já estiveram em exibição no Museu Nacional da Escócia; também a Imperatriz Catherina era conhecida por sua paixão por aves de rapina. A sua ave favorita era o Esmerilhão (Falco columbarius).
Também em Portugal existem testemunhos inegáveis do papel das mulheres na Falcoaria. O painel de Azulejos do Palácio do Correio Mor ou do Palácio dos Condes de Barbacena atestam o seu lugar na prática[iii]. Estas referências fazem-nos questionar quem seriam estas mulheres, quais as suas motivações, qual a sua visão sobre a prática, de que forma a influenciaram. Sabemos pouco sobre o seu papel e deixamos publicamente a proposta de aprofundar este conhecimento a académicos que se possam dedicar a este tema apaixonante. De forma mais contemporânea convém recordar que foi uma mulher, Dra. Natália Correia Guedes, a impulsionadora e primeira Presidente da Associação Portuguesa de Falcoaria.
Figura 1 – Painel de Azulejos do Palácio dos Condes de Barbacena (Século XVIII), em Lisboa.
Figura 2 – Painel de Azulejos do Palácio do Correio Mor (Século XVIII), em Loures.
Além da importância e relevância do seu papel histórico nesta arte de caça, as falcoeiras, assumem, cada vez mais, um papel de grande centralidade na prática a nível mundial. As fronteiras de género nunca foram uma marca da falcoaria e hoje muitos dos melhores exemplos a nível mundial vêm, precisamente de mulheres. Atualmente algumas mulheres assumem com naturalidade o papel de referência na prática ou na divulgação cultural[i]. Além disso são as mulheres um dos principais grupos dinamizadores da prática mundial liderando uma série de iniciativas que procuram aprofundar o conhecimento sobre a história, métodos e promoção da falcoaria na Associação Internacional para a Falcoaria e Conservação das Aves de Presa[ii].
Portugal conta com um número reduzido de praticantes desta forma de caça, mas observa-se o despontar de um número crescente de interessados (com homens e mulheres em igual número). A presença de mulheres em cursos e encontros é cada vez mais comum e o número de mulheres que tenta praticar parece estar a aumentar.
Apesar da classificação UNESCO como Património Imaterial da Humanidade, obtida em 2016[iii], a falcoaria praticada em Portugal enfrenta e enfrentará dificuldades. Os problemas clássicos, que estrangulam a prática, estão há muito identificados: dificuldades no acesso às zonas de caça em igualdade com outros caçadores; falta de campos de treino com dimensões e orografia adequadas; e constrangimentos legais. A estas razões, de caracter contingencial, somam-se a outras de carácter estrutural, como a degradação dos ecossistemas e das populações de espécies cinegéticas e o crescente afastamento e desconhecimento do mundo natural por parte dos jovens.
Para a falcoaria o futuro complexo. Exigirá grande capacidade de adaptação e quiçá de reinvenção por parte de todos os praticantes e apaixonados por esta arte de caça. Citando Diogo Fernandes Ferreira em 1616 (autor incontornável da Falcoaria em Portugal), serão necessárias doses redobradas de “amor, engenho, prudência e sofrimento” para manter a prática viva face a estes desafios.
No entanto e apesar destas dificuldades acreditamos que seremos capazes de subsistir e continuar a perseguir a paixão de viver lances naturais, entre predador presa, em plena natureza.
Hoje, mais que nunca, contamos com as mulheres, com a sua sensibilidade, capacidade e competência, para construir esse futuro. Este movimento já começou um pouco por todo o mundo e temos a certeza que Portugal não lhe ficará indiferente.
Pedro Afonso
Associação Portuguesa de Falcoaria
[i] https://drive.google.com/file/d/0B01tWCQlfKRAbGdVWUNHenFCTU0/view [ii] Página 139 de Kulturgeschichte Der Falknerei, Bayern. [iii] https://falcoariapatrimonio.pt/ [iv] https://www.bbc.co.uk/programmes/w3csv0d0 [v] https://iaf.org/women-in-falconry [vi] https://ich.unesco.org/en/RL/falconry-a-living-human-heritage-01209